Robson Trindade incentiva clientela a manter os cabelos crespos
Na contramão de seus colegas de ofício, o cabeleireiro faz sucesso com tratamento para enrolar os fios em vez de alisá-los
30.jul.2010 | Atualizada em 7.dez.2010 por Maria Paola de Salvo
Rebelde, indomável, desgrenhado, difícil, feio, ruim. Pergunte a uma mulher crespa como ela classificaria seu próprio cabelo e a resposta provavelmente será um dos adjetivos acima (ou coisa parecida). Pois, numa era em que muito se cobiçam madeixas lisas, um cabeleireiro da cidade tem se destacado por remar contra a maré. É o paulistano Robson Trindade, que se especializou em realçar o ondulado dos fios em vez de deixá-los escorridos. “Valorizar o visual natural está na moda”, diz.
Cerca de 80% da clientela de seu salão na Vila Nova Conceição, o Red Door, é composta de gente determinada a largar alisantes e afins, que ele chama de “entorpecentes”. Por quê? “A pessoa começa a alisar e não consegue se livrar.”
O carro-chefe desse movimento do orgulho crespo leva o sugestivo nome de Angel. Consiste na aplicação de dois tipos de xampu e um condicionador destinados a estimular o cabelo a, por assim dizer, voltar às origens. No caso das cacheadas, o produto estimula os fios a se ondular. A água e o excesso de creme são absorvidos com um pano especial e reutilizável ou com folhas de papel-toalha. A finalização é feita com difusor (aquele acessório dos secadores que parece um chuveirinho, sabe?) e hashis. Sim, aqueles palitinhos de madeira típicos dos restaurantes japoneses.
É tudo muito caro. O processo precisa ser repetido quatro vezes, num intervalo de, em média, quinze dias entre a primeira e a última aplicação, segundo o cabeleireiro. Apesar disso, é possível aprender o método em uma sessão. Cada uma custa 290 reais, e é preciso comprar um kit de produtos para manutenção, que sai por 449 reais — em geral, as freguesas compram um pacote que combina esses itens a um corte e tem preço de 2 259 reais. “Apesar de ser um valor alto, representa libertar-se da escova”, defende Trindade, que em dias movimentados aplica o Angel em dezoito pessoas e jura que embolsa mensalmente 85 000 reais. De acordo com ele, menos de 1% das que passam pelo tratamento volta ao visual escorrido.
...o toque final é dado com hashis, como os de restaurantes
(Foto: Fernando Moraes)
Ironia do destino, Trindade dedicou boa parte de seus 33 anos de profissão (ele tem 51 de idade) a exterminar caracóis da mulherada. “Ganhava 180 000 reais por mês com o alisamento japonês”, lembra ele, com o exagero habitual, sobre a técnica que abusa da química para esticar os fios. “Reparei que a mulher virava escrava daquilo e percebi que poderia explorar esse nicho de mercado.” Em 2003, ele aposentou de vez a chapinha e passou a recuperar cachos perdidos. O que seus colegas de tesoura pensam a respeito?
“Também ofereço esse serviço para as cacheadas”, afirma Celso Kamura, responsável pelos penteados da ex-prefeita Marta Suplicy e da presidenciável Dilma Rousseff. Para Marco Antonio de Biaggi, autoproclamado rei das loiras, a brasileira não quer saber desse negócio de encaracolado. “Ter cabelo liso ainda é sinônimo de ser bem-sucedida”, decreta. Trindade rebate. “Ao contrário de outros profissionais, sempre fugi do óbvio”, alfineta. Professor de visagismo da Universidade Anhembi Morumbi, ele afirma cobrar 12 000 reais para dar palestras sobre beleza.
No último dia 23, submeti meus fios ondulados aos cuidados de Trindade. Reneguei minhas ondas por quinze de meus 28 anos e me considerava um caso perdido. Apesar de querer recuperar minhas raízes crespas, sempre duvidei de que meu cabelo fosse capaz de produzir cachos novamente, sobretudo depois de incontáveis defrisagens, progressivas, definitivas e afins. “Ouço essa mesma história todo dia da boca de diversas clientes”, afirmou o cabeleireiro, enquanto cortava minhas mechas ainda secas.
Totalmente cética, fui ao lavatório em que, segundo ele, minha ondulação natural seria revelada. Só nessa primeira sessão, paguei 685 reais. Mal acreditei quando vi que estava dando certo e quase não me reconheci no espelho. Resta saber se vou me adaptar à nova moldura ou se engrossarei a estatística das que têm recaída com os “entorpecentes” capilares.
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